Thillai Nataraja: o templo do deus Shiva dançante

Nataraja o templo do deus Shiva dançante

As atividades aqui relatadas fazem parte da pesquisa de doutorado da autora no Programa de Pós-Graduação em Arqueologia do Museu Nacional/UFRJ e contaram com o apoio do Laboratório de Processamento de Imagem Digital (LAPID), também sediado no Museu Nacional, bem como investimento de bolsa CAPES.

Thillai Nataraja está localizado na cidade de Chidambaram, que faz parte do distrito de Cuddalore no estado de Tamil Nadu na região sul do subcontinente Indiano. A cidade fica a 245 km de Chennai (capital do estado). O templo faz parte da história da região sul indiana, ele é testemunha material das disputas religiosas, disputas de poder e de discursos políticos. Evidências literárias, tanto de origem sânscrita, com o Chidambara Māhātmya, quanto tamil, com o Kovil Purāņam, apontam que santidade do santuário remete à época de Patañjali, o autor do Yoga Sūtra do século II AEC. O trabalho poético tamil Tirumandiram, do século II EC, localiza a antiguidade do santuário no século V AEC. Mas ao analisarmos as estruturas que se encontram presentes atualmente no complexo templário, nenhuma delas pode ser datada antes do período tardio dos Cholas (1070-1279 EC).

Complexo templário Thillai Nataraja

Atualmente, o complexo templário ocupa um espaço de 50 acres (aprox. 202.343 m2), sendo toda sua extensão cercada e havendo quatro grande portões em formato piramidal (gopura), cada um construído voltado em um ponto cardeal, separando os espaços religiosos do cotidianos. A monumentalidade e as cores de um gopura são algo que se destacam entre as casas e prédios do estado de Tamil Nadu. Os prédios baixos e as vias largas constroem a paisagem que integra o colorido dos portões (gopuras).

Sendo um dos principais elementos dos templos do sul indiano, os gopuras são caracterizados como estilo arquitetônico Dravidiano. Trata-se de um portal e seu tamanho pode chegar a proporções monumentais. Eles costumam ser construídos com uma base de pedra e estruturas de tijolo com pilastra dando sustentação. Usualmente, seu formato é piramidal e no seu topo, apresenta uma abóbada. As paredes externas são revestidas de esculturas que podem ser coloridas ou não.

Na presente pesquisa, nos voltamos para as representações dos 108 passos de dança (Karaṇas) da dança Tandava do deus Shiva que se encontram nas paredes internas dos portais (gopuras). Tais passos são descritos no Nātyaśāstra, reconhecido como o codex das artes performáticas indianas, datado entre os séculos II AEC e II EC.

No início do capítulo IV “Tāṇḍava Nṛtya (Descrição da dança Tāṇḍava)”, Bharata Muni (autor do Nātyaśāstra) nos conta de que forma a dança foi incluída no repertório de nāṭya (arte cênica que compreende a música, dança e drama de forma integral). Assim que o deus Brahma terminou de compor a primeira peça de nāṭya (arte cênica que compreende a música, dança e drama de forma integral), intitulada Amṛta-manthana (A agitação do oceano), ele pediu que Bharata a preparasse para ser performada perante o deus Shiva. A apresentação aconteceu na região dos Himalaias e contou com a presença de diversos seres celestiais na platéia. No final da noite, Shiva ficou muito satisfeito com tudo que viu. Ele disse que se lembrou de sua dança e pediu que o sábio Taṇḍu a ensinasse à Bharata para que ele a incluisse no repertório das artes performáticas. A partir daí, o capítulo prossegue descrevendo os detalhes dessa dança. Somos apresentados aos 108 Karaṇas (movimentos de dança), 32 Aṅgahāras (sequências coreográficas) e outros elementos relevantes para a prática e apresentação de dança. Os Karaṇas (movimentos de dança) são definidos na obra como: hastapādasamāyogo nṛtyasya Karaṇaṃ bhavet | śl 4.31.

Numa tradução nossa para o português a combinação dos movimentos das mãos e dos pés em uma dança é chamado Karana.

Gopura piramidal oeste em Thillai Nataraja
Karanas na parede interna do Gopura leste
Karanas (K96-Nivesa; K47-Vrscika; K60-Dolapada; K87-Karihasta)

Entre setembro de 2023 e novembro 2023, como pesquisa de campo, realizamos a captura 3D de algumas das representações com o propósito de estudo e construção de objetos digitais. Utilizamos o aplicativo Polycam em um celular Samsung modelo A54. Observamos que a possibilidade de utilizar o telefone como principal equipamento facilita tanto na mobilidade quanto na aceitação para o desenvolvimento do trabalho. Sendo renderizado de maneira virtual, é possível analisar o resultado da captura em questões de minutos. Ações podem ser tomadas diretamente em campo, economizando tempo e proporcionando uma melhor qualidade do material final. Como pontos de atenção temos as limitações espaciais, no nosso caso as esculturas localizadas em alturas muito elevadas não eram possíveis de serem acessadas facilmente, e questões tecnológicas como acesso a internet e consumo da bateria do aparelho. Neste campo, o templo tinha cobertura em apenas certos pontos. Como estratégia, realizamos a captura de três a quatro estátuas e nos deslocamos para o ponto onde poderíamos enviar para o processamento. Isso acabava por consumir muita bateria, o que facilmente foi resolvido com um powerbank. Realizamos esse mesmo trabalho em outros templos de Tamil Nadu, aplicando o mesmo método, o que se mostrou extremamente eficiente.

Digitalização 3D de Karanas (K60-Dolapada; K93-Talasanghattita; K87-Karihasta; K2-Vartita; K1-Talapuspaputa; K106-Nagapasarpita; K23-Ancita; K47-Vrscika)

O material aqui obtido, além de integrar a pesquisa da tese de doutorado da autora, poderá ser incluído em materiais de difusão científica em mídias alternativas coordenadas pelo LAPID.


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