CIRURGIA PÓS-NATAL – Casos desafiadores

VISÃO GERAL DO CRANIOPAGUS 3D

O uso de modelos médicos 3D e realidade virtual (RV) no planejamento pré-cirúrgico tem sido uma ferramenta fundamental na estratégia cirúrgica e localização para o cirurgião, especialmente em situações nas quais a anatomia é completamente divergente dos padrões normais. A RV também tem sido um avanço importante, auxiliando e permitindo ao cirurgião encontrar a melhor abordagem cirúrgica.

Estudo Clínico 1

(Neurocirurgia)

GÊMEOS CRANIOPAGOS

Rastreamento de malha em Realidade Estendida

Gêmeos craniopagos (GC) são uma malformação extremamente rara na qual os gêmeos estão unidos pela cabeça. Esse fenômeno ocorre em aproximadamente 1 a cada 2,5 milhões de nascimentos vivos. Apesar da gravidade da anomalia, que está associada a alta morbidade e mortalidade, as separações bem-sucedidas têm se tornado mais frequentes principalmente devido aos constantes avanços em neuroimagem, neuroanestesia e técnicas neurocirúrgicas. Em relação à neuroimagem, houve grande progresso, principalmente relacionado aos desenvolvimentos em RV e modelos 3D gerados a partir de dados de imagens de TC ou RM. Esses modelos têm sido extremamente importantes no planejamento de estratégias cirúrgicas e como referências anatômicas para o cirurgião durante o procedimento. 

Discussão do Craniópago no Metaverso

A primeira classificação anatômica foi descrita por O'Connell, onde os gêmeos craniopagos foram classificados como parciais ou totais. Gêmeos GC totais compartilham uma extensa área da superfície craniana com muitas conexões entre as cavidades cranianas, enquanto gêmeos GC parciais compartilham apenas uma pequena superfície da convexidade craniana. A cirurgia de separação em GC parciais está associada a um melhor resultado do que em GC totais. 

Em setembro de 2019, recebemos gêmeos craniopagos de oito meses de idade no Instituto Estadual do Cérebro Paulo Niemeyer. Eles foram classificados como craniopagos verticais totais, apresentando uma anatomia extremamente complexa, com um significativo seio venoso circunferencial e regiões de cérebro compartilhado. Eles se tornaram o maior desafio da equipe de neurocirurgia pediátrica da instituição.

Vistas da reconstrução 3D
Processo de segmentação para uma das primeiras cirurgias dos gêmeos
Diferentes vistas do sistema circulatório do cérebro
Tractografia junto com a segmentação das estruturas.
Processo de segmentação, mostrando o 3D e a tomografia computadorizada.
Impressão 3D feita para uma das cirurgias.
Ultrassom 4D dos gêmeos craniopagos
Ressonância Magnética dos gêmeos craniopagos

Iniciamos um plano elaborado com um grupo multidisciplinar de especialistas para desenvolver uma estrutura para iniciar o processo cirúrgico. Para este tipo de craniopagos, é crucial dividir a cirurgia em múltiplas etapas, já que um único procedimento de separação seria impossível. Essas etapas cirúrgicas seriadas são necessárias em termos do desenvolvimento e reagrupamento da distribuição do retorno venoso, visto que devemos esqueletizar o seio venoso circunferencial por meio da coagulação das veias que drenam para este seio. Isso é feito após análise por meio de angiografia cerebral, elegendo assim o melhor ponto de partida para o primeiro procedimento em uma sequência de quatro ou cinco. Em cada uma dessas etapas, as veias que drenam para o seio circunferencial são coaguladas, bem como a separação entre os cérebros dos gêmeos. Após cada etapa de separação, uma interposição de silastic foi colocada entre as estruturas separadas, que foi gentilmente doada pelo Dr. Ricardo Oliveira, neurocirurgião pediátrico da USP de Ribeirão Preto, que esteve presente durante duas das cirurgias e nos orientou sobre como proceder nesta operação complexa.

Neste tipo de craniopagos grave, é sempre necessário decidir, após analisar cuidadosamente tanto clínica quanto radiologicamente, com qual gêmeo começar e prosseguir para a cirurgia de desconexões parciais. A literatura recomenda considerar iniciar as separações no gêmeo menos favorecido, aquele com menor chance de sobrevivência. Na avaliação inicial, concluímos que um dos gêmeos estava clinicamente e radiologicamente menos favorecido. Este gêmeo tinha fissura palatina e apresentava instabilidade hemodinâmica significativa quando manipulado.

Neste tipo de malformação, dada a anatomia complexa, distorcida e atípica, o uso de modelos anatômicos impressos em 3D é indispensável. Esses modelos proporcionam ao cirurgião uma compreensão clara da anatomia cirúrgica, o que oferece melhor orientação para a equipe durante a cirurgia. Portanto, iniciamos a construção desses modelos anatômicos através de uma parceria com o Biodesign Lab Dasa/PUC-Rio. Após a obtenção das imagens de ressonância magnética, os modelos 3D foram preparados.

Metaverso com o segundo caso de gêmeos craniópagos.

Após a criação do primeiro modelo anatômico 3D e a realização de todos os exames complementares necessários, agendamos a primeira cirurgia, que ocorreu em novembro de 2019. Considerei esta cirurgia como uma das mais desafiadoras, posteriormente chamada de "cirurgia quebra-medo", por ser o primeiro caso de tal gravidade. O maior desafio foi lidar com o desconhecido, bem como a enorme responsabilidade que tínhamos para com os pais dos gêmeos.

Agendamos a segunda cirurgia de separação parcial após a primeira. Este procedimento ocorreu dois meses depois da primeira cirurgia. Este período de espera entre as cirurgias foi necessário para que a circulação venosa se estabilizasse e para o desenvolvimento de uma circulação venosa colateral. Após criar um novo modelo anatômico, estabelecemos o planejamento cirúrgico, com excelente progressão da coagulação das veias hemisféricas que drenavam em direção ao seio circular, alcançando uma boa separação parcial. O resultado pós-operatório foi satisfatório, com os gêmeos demonstrando excelente recuperação, sem qualquer déficit motor, infarto venoso, isquemia ou sangramento. Uma tomografia pós-operatória mostrou um bom grau de separação.

Seguimos o protocolo e realizamos separações segmentares. Inicialmente, programamos quatro separações parciais, seguidas pela desconexão final; entretanto, devido à complexidade do caso, optamos por fragmentar ainda mais os segmentos, e até o momento realizamos sete cirurgias, sem quaisquer complicações. Entre cada procedimento, novos exames de imagem como ressonância magnética, tomografia computadorizada e angiografia cerebral foram realizados, e novos modelos anatômicos 3D foram feitos. Esses exames e a impressão 3D dos modelos são de extrema importância, tanto para o planejamento cirúrgico quanto para a visualização da nova circulação colateral estabelecida.

A separação final foi agendada para junho de 2022. Neste procedimento, seria realizada a separação definitiva dos gêmeos, quase três anos após a primeira cirurgia. Seria um presente para esta família que tanto sofreu.

Em fevereiro de 2023, recebemos nosso segundo caso de gêmeos craniopagos com 13 semanas de gestação. Este apresentou outro grande desafio para nós porque, além do craniopagos, havia também uma malformação cardíaca complexa (ventrículo único) em um dos fetos. Iniciamos um plano elaborado com um grupo multidisciplinar de especialistas para desenvolver uma estrutura para o processo cirúrgico.

Neste caso, a abordagem cirúrgica teve que ser realizada em um único procedimento devido à malformação cardíaca. Para o melhor planejamento possível, o uso de modelos anatômicos impressos em 3D foi indispensável, assim como discussões com a equipe do Professor Owase Jeelani utilizando o metaverso.

Após o nascimento com 32 semanas de gestação, novos exames foram realizados com TC e RM. Os gêmeos foram separados 52 dias após o nascimento. A neurocirurgia foi um sucesso. O gêmeo com a malformação cardíaca não sobreviveu, mas doou meninges, osso e pele para seu irmão, que teve um excelente resultado clínico.

Estudo Clínico 2

(Cirurgia Pediátrica)

GÊMEOS CONJUGADOS

Discussão na Realidade Estendida

Como cirurgião geral neonatal, frequentemente trabalho com diagnóstico pré-natal e compreendo plenamente seu papel crucial no planejamento de cirurgias perinatais e acompanhamentos. Na maioria dos casos, as lesões são identificadas por meio do ultrassom obstétrico (US) de rotina. No entanto, a ressonância magnética (RM) pode fornecer uma avaliação mais detalhada. A RM serve como uma modalidade diagnóstica complementar, especialmente em casos inconclusivos que exigem investigação adicional. Diferentemente do US, a RM não é afetada pela posição fetal, pelo oligoâmnio, pela interferência óssea ou pela obesidade materna.

Um dos maiores desafios na cirurgia pediátrica é o manejo de gêmeos conjugados (GC), uma anomalia congênita associada a significativa morbidade e mortalidade. Os GC são classificados com base no local da fusão, sendo os gêmeos fundidos ventralmente os mais comuns. Entre eles, os tipos onfalópagos e toracópagos são frequentemente observados. O grau de compartilhamento de órgãos, especialmente o envolvimento cardíaco, determina a viabilidade e o prognóstico da separação cirúrgica. Uma avaliação pré-operatória meticulosa, um planejamento detalhado e uma equipe multidisciplinar bem-preparada são essenciais para um procedimento de separação bem-sucedido.

Discussão de caso de gêmeos unidos no tórax e abdome no Metaverso

Uma mulher de 31 anos, G2P1, com gestação de trigêmeos, foi encaminhada para RM fetal às 28 semanas de gestação. Suspeitava-se que os fetos fossem dicoriônicos e diamnióticos, com um par de gêmeos conjugados fundidos na região abdominal. A RM foi realizada utilizando um scanner de 1,5 Tesla, confirmando o diagnóstico prévio de um feto único normal ao lado de um par de GC. A fusão se estendia do processo xifoide até a inserção do cordão umbilical (onfalópagos). Ambos os fígados estavam fundidos, mas as alças intestinais e os cólons apresentavam-se normais. As vesículas biliares foram identificadas e visualizadas.

Após o parto, ocorrido com 35 semanas de gestação, novos exames de imagem foram realizados. Uma tomografia computadorizada confirmou a fusão hepática. As conexões vasculares do fígado foram isoladas e reconstruídas em 3D, classificando a fusão como do tipo I hepatobiliar. Imagens imersivas foram geradas e exportadas, permitindo uma análise pré-operatória e intraoperatória detalhada utilizando o aplicativo 3D Slicer em dispositivos móveis. A reconstrução 3D possibilitou que a equipe cirúrgica estudasse minuciosamente as conexões vasculares, facilitando o planejamento cirúrgico para a separação.

A separação de GC requer um esforço multidisciplinar coordenado para lidar com as complexas necessidades médicas e cirúrgicas desses pacientes. Foi empregada uma abordagem baseada em simulação, utilizando manequins pré-montados que replicavam a anatomia dos gêmeos toraco-onfalópagos. Essa modalidade de simulação proporcionou um ambiente seguro de treinamento para uma equipe multidisciplinar, incluindo neonatologistas, enfermeiros, terapeutas respiratórios e cirurgiões, a fim de aperfeiçoar a tomada de decisões clínicas, as estratégias procedimentais e os protocolos de manejo de emergência. Os ensaios clínicos baseados em simulação oferecem uma oportunidade valiosa para se preparar para procedimentos raros, complexos e específicos de cada paciente.

O procedimento cirúrgico ocorreu sem intercorrências, e os pacientes permanecem sob acompanhamento sem complicações.

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