V-Horus

Interact in Metaverse version of experience

V-Horus

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Em setembro de 2018 um grande incêndio atingiu o prédio principal do Museu Nacional na cidade do Rio de Janeiro, Brasil. A tragédia causou forte impacto nos acervos científicos da instituição, incluindo a coleção egípcia, a mais numerosa e importante em terras sul-americanas. 

Durante os tempos que se seguiram à tragédia, a equipe de resgate de acervos do Museu Nacional, composta por funcionários e alunos da instituição, empenhou grandes esforços no resgate dos exemplares impactados e sua posterior recuperação para a reincorporação às coleções e exposições do Museu. Nesse momento se tornou de vital importância o trabalho prévio do Laboratório de Processamento de Imagem Digital (LAPID) do Museu Nacional, que nos anos anteriores vinha desenvolvendo extenso trabalho de digitalização tridimensional de exemplares de diversas coleções científicas da Casa. Os arquivos digitais serviram como ferramentas de orientação no processo de resgate e, seguramente, serão de grande relevância nos trabalhos e recuperação dos acervos. 

Entre os exemplares perdidos no incêndio estavam algumas múmias egípcias de grande importância histórica e arqueológica, material esse previamente digitalizado como parte das pesquisas do Dr. Antônio Brancaglion Jr., egiptólogo do Museu. 

Nesse momento, fruto da parceria de longa data do LAPID com o Laboratório de Biodesign da PUC-Rio e agora contando com a colaboração do Laboratório Visgraf do IMPA/MCTI, surge a ideia de resgatar peças perdidas através de ferramentas de realidade virtual. 

Para isso, o exemplar selecionado foi a múmia feminina (MN Inv. 65.575 - CR158) do período romano do Egito (cerca de 30 a.C.) (VANDENBEUSCH, 2019), assim, as tomografias e fotografias desse material foram então repassadas para os colaboradores responsáveis pela execução do projeto, ficando a coordenação científica sob responsabilidade do Dr. Bancaglion Jr. (Figura 1). 

Figura 1: Dr. Antônio Brancaglion Jr. orienta equipe durante desenvolvimento do Projeto V-Horus”.

Todas as informações disponíveis foram utilizadas para reconstruir um arquivo tridimensional que pudesse reproduzir o corpo humano mumificado, uma vez que o original havia sido perdido. A principal base para a reconstrução foram os arquivos tridimensionais provenientes de tomografias computadorizadas realizadas em pesquisas anteriores. Além disso, foram utilizadas fotografias, descrições e orientações do curador da coleção egípcia do Museu Nacional, Antônio Brancaglion Jr., e da bioarqueóloga Sheila Mendonça. 

O modelo 3D gerado a partir da tomografia computadorizada realizada antes do incêndio, que era denso em polígonos, foi retocado com o software Maxon ZBrush. O objetivo desse retoque foi adicionar características observadas nas fotos de referência e eliminar marcas do processo de captura. Em seguida, o modelo passou por um processo de otimização por meio de retopologia utilizando remesh, e os detalhes da superfície foram transferidos para um mapa de textura normal, que simula o relevo da superfície em reação à iluminação. 

Figura 2: Retoques efetuados no modelo. A reconstrução utilizou o scan e as fotos como referência.

Como a percepção de realismo era uma característica desejável, foram investigadas soluções para aproximar as fotos de referência do modelo. Dessa forma, no processo de texturização, utilizamos o software Adobe Substance Painter, aplicando fotos de registro e referência sobre o modelo. Muitas estampas e detalhes foram planificados, recortados e retocados para aplicação, enquanto partes ausentes foram preenchidas manualmente por meio de um sistema de camadas e carimbo. O modelo foi, então, exportado consolidado para o Blender, onde foram ajustados parâmetros do material, utilizando, em geral, a montagem de texturas no sistema. 

Figura 3: Imagem demonstrando os efeitos do mapa de normais sobre o relevo do modelo com a geometria já simplificada.

Para a criação da máscara que cobria o rosto do corpo mumificado – que havia sido perdida – foram analisadas imagens de uma múmia do British Museum, a qual apresenta características semelhantes em relação ao período, materiais e método de mumificação. 

Figura 4: Imagem final do processo de modelagem.

Em paralelo aos processos de modelagem, foi produzido o roteiro por Andrea Lennhof e Luiz Velho, inspirado nos detalhes descritos pelos especialistas. A descrição elaborada por Antônio Brancaglion Jr. guiou a narrativa. Para realçar os pontos citados, foi concebida uma iluminação direcional que acompanha o texto. A narração, gravada em off por Antônio, foi mixada com uma música que remete ao estilo musical da época.

A experiência foi implementada no motor de jogos Unity 3D, utilizando OpenVR e os óculos de realidade virtual Vive, em PC VR (ou seja, o programa opera no computador e na placa gráfica, sendo visualizado por meio dos óculos conectados). O Unity possibilitou a integração e sincronização das mídias – luz, modelo tridimensional, narração e música – através de uma linha do tempo. A disposição e a narrativa escolhidas privilegiam a visualização do modelo. Além disso, durante a montagem, foi experimentado um sistema físico-virtual, com uma mesa que registrava a escala e a posição da base da múmia tridimensional. 

Figura 5: Frames da sequência representativa da experiência apresentada em VR.

Em parceria com Andrea Malanski, Luiz Velho e Alice Velho, foi criado o material de divulgação, incluindo uma marca que pudesse ser utilizada dentro da experiência, servindo como sinalização de início e fim. O pictograma é um desenho simplificado do Olho de Hórus – um hieróglifo que representa visão, proteção após a morte e que traz características matemáticas. A letra “V” foi adicionada ao nome Hórus, indicando o conceito de visualização, assim como o subtítulo “Virtual Egyptology”, para explicar o conceito apresentado. O tratamento gráfico de ambos pretende representar o ambiente digital, tanto pelas formas arredondadas quanto pela continuidade dos traços. A marca integrou o material de divulgação do projeto, juntamente com a malha geométrica originada da tomografia. 

Após longos testes e adaptações, os arquivos digitais foram concluídos e a experiência, agora denominada “V-Horus: Virtual Egyptology” (Figura 6), passou a ser implementada. Para isso, foi criado um ambiente de visualização em óculos de realidade virtual. Na ocasião, o modelo utilizado foi o HTC Vive. 

Figura 6: Logotipo do Projeto V-Horus

Em setembro de 2019 foi escolhida, para primeira apresentação ao público, a “VII Semana de Egiptologia do Museu Nacional”, na expectativa do forte apelo que a experiência poderia causar, tanto em função do público, intimamente ligado aos temas da egiptologia, como à comunidade do museu, fortemente impactada pelas perdas recentes ocasionadas pelo incêndio do Museu. Para tanto foi utilizada uma sala paralela ao evento, no prédio da Biblioteca Central do Museu Nacional, onde as equipes do LAPID/Museu Nacional/UFRJ, Biodesign/PUCRio e Visgraf/IMPA/MCTI disponibilizaram o ambiente VR para visualização do público. De modo a orientar o visitante durante a experiência VR foi providenciada uma mesa vazia, com cúpula de vidro, onde equipamento visual posicionava a imagem virtual da múmia. 

Como esperado o impacto foi imenso, não apenas do ponto de vista científico, já que a visualização de peça perdida, resgatada em realidade virtual, possibilita o conhecimento da mesma, mas, principalmente emocional, uma vez que a comunidade do Museu Nacional pode assim rever o exemplar, muitas vezes antes observado na exposição do Museu e perdido no incêndio de 2018 (Figura 7).

Figura 7: Funcionário do Museu Nacional/UFRJ observa a múmia em realidade virtual.

Posteriormente, ainda em 2019, a experiência foi disponibilizada em outros locais ou vinculada a outros eventos tais como o II Seminário de Tecnologias Tridimensionais Aplicadas à Pesquisa Científica (Figura 8), Semana de Design da PUC-Rio (Figura 9) e em edições do Projeto Meninas Com Ciência – Museu Nacional/UFRJ (Figura 10), sempre tendo sido recebido pelo público com grande entusiasmo. 

Figura 8: Experiência V-Horus apresentada no II Seminário de Tecnologias Tridimensionais, Laboratório ALTA, 2019.

Figura 9: Experiência V-Horus apresentada na Semana de Design, PUC-Rio.

Figura 10: Experiência V-Horus apresentada paralelamente ao Projeto Meninas Com Ciência, Museu Nacional, 2019.

Além da grande receptividade alcançada pelo Projeto V-Horus em todas as suas aplicações públicas, a experiência acabou se tornando ponto de partida para consolidação do um grupo de trabalho composto por pesquisadores do Museu Nacional/UFRJ, PUC-Rio e IMPA/MCTI e para diversas outras experiências em realidade virtual disponibilizadas em plataformas e mídias diversas.


Referências

Gillings R. J., 2003. Mathematics in the Time of the Pharaohs. Cambridge. MIT.

Vandenbeusch, M., 2019. Encounter with two mummies from Roman Egypt. p. 34-41.In: Lopes, Azevedo, Werner Jr. & Bracaglion Jr., 2019. Seen/Unseen: 3D Visualization. Rio Books, 248p.

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