Dinossauros do fóssil ao digital e à exposição

Modelo 3D do Staurikosaurus com codificação de cores para cada parte prototipada.

Staurikosaurus pricei foi um dinossauro carnívoro com pouco mais de 2 metros de comprimento que viveu durante o período Triássico (há cerca de 230 milhões de anos) no que hoje é o Rio Grande do Sul, Brasil. Foi, portanto, um dos dinossauros mais antigos do mundo. Seu fóssil foi descrito formalmente em 1970 por Edwin Colbert a partir de um esqueleto praticamente completo, do qual faltavam apenas o crânio, ossos dos braços e pés (COLBERT, 1970). No início dos anos 2000 seu fóssil foi emprestado ao Museu Nacional onde serviu de material de estudo para uma nova descrição detalhada da espécie (BITTENCOURT & KELLNER, 2009). 

Em 2005 o fóssil desse dinossauro foi digitalizado em 3D com o intuito de gerar uma reconstrução virtual tridimensional completa de seu esqueleto para aplicação em estudos de biomecânica e locomoção (GRILLO & AZEVEDO, 2011a, b). Toda a modelagem foi feita no software Autodesk 3ds Max, que permitiu realizar o processo de retrodeformação, isto é, a correção de distorções presentes em alguns dos ossos fossilizados, bem como modelar ossos quebrados ou faltantes. Os ossos faltantes foram criados com base em comparações com outras espécies de dinossauros proximamente relacionadas, como o Herrerasaurus ischigualastensis. O modelo 3D final foi utilizado nos trabalhos de monografia, dissertação de mestrado e tese de doutorado do autor do modelo (GRILLO, 2005, 2007, 2014). 

A partir desse esqueleto digital, a equipe do LAPID decidiu fazer o que seria, à época, o primeiro esqueleto reconstituído de um dinossauro a ser totalmente prototipado fisicamente e em tamanho real utilizando impressoras 3D (Figura 1). Para isso foi usada uma Zcorp 310. O protótipo do esqueleto completo foi apresentado à comunidade científica em 2011, durante o IV Congresso Latinoamericano de Paleontologia de Vertebrados em San Juan, Argentina (GRILLO et al., 2011). 2011). 

Fig1. Esqueleto completo de Staurikosaurs pricei prototipado em impressora 3D em 2011.

Os ossos foram impressos individualmente, de forma que, para ser exposto, o esqueleto precisava ser disposto em uma mesa. Normalmente era montado numa posição que lembra a disposição dos ossos reais no fóssil. 

Infelizmente esse modelo foi perdido durante o incêndio de 2018 que atingiu o Museu Nacional. Além desse, outros esqueletos de dinossauros, montados na exposição do museu (mas produzidos seguindo metodologias tradicionais de escultura e moldagem em resina), também foram perdidos. Dentre as perdas, podemos destacar o esqueleto completo do dinossauro saurópode Maxakalisaurus topai, um animal com cerca de 12 metros de comprimento, e o esqueleto do dinossauro terópode Angaturama limai, com cerca de 6 metros de comprimento. 

During the restructuring of LAPID, we acquired new equipment, including a filament 3D printer. In 2024, we decided to produce a new 3D print of the Staurikosaurus skeleton. 

Durante a reestruturação do LAPID, pudemos adquirir novos equipamentos, incluindo uma impressora 3D de filamentos. A partir disso, em 2024, decidimos produzir uma nova impressão 3D do esqueleto do Staurikosaurus. Desta vez, no entanto, optamos por modificar o modelo virtual para que se possa produzir um protótipo completo, totalmente articulado, auto sustentado e em tamanho real do esqueleto, ao invés de um modelo de ossos individualizados (Figura 2). 

Fig2. Modelo virtual do esqueleto de Staurikosaurs pricei na posição em que será produzido.

Utilizando o software 3ds Max, os ossos virtuais foram unidos com estruturas que simulam cartilagens e ligamentos (Figura 3), criando 15 conjuntos de ossos conectados. Em cada conjunto foram modeladas estruturas de encaixe para permitir a montagem final de forma facilitada. Além disso, foi modelada uma base de sustentação com 90cm de comprimento, também dividida em três partes com encaixes. As 18 peças foram produzidas de forma que possam ser impressas em tamanho real na área limite de impressão de 30x30cm da impressora utilizada (3D Creality K1 Max). A impressão 3D final foi feita utilizando filamentos Hyper PLA com uma resolução de 0,4mm (Figura 4). 

Fig3. Estruturas de encaixe do modelo digital de Staurikosaurus.
Fig4. Protótipo final do esqueleto de Staurikosaurus.

Esse projeto piloto serviu de teste para verificar a viabilidade desse tipo de técnica para produzir peças de exposição. Após a impressão, constatamos que o protótipo era demasiadamente flexível para que se auto sustentasse. Para não incluir suportes visíveis, foi necessário modificar o esqueleto prototipado e inserir um eixo oco de metal por dentro da coluna vertebral. Essa e outras pequenas modificações permitiram que o esqueleto fosse usado em uma exposição no Museu Universitário Solar Grandjean de Montigny da PUC-Rio. 

Ainda em 2024, o Museu Nacional iniciou os trabalhos para produzir uma nova cópia do esqueleto do dinossauro Maxakalisaurus topai, descrito em 2006 (KELLNER et al., 2006), para ser usada na reinauguração de suas exposições. Para auxiliar no trabalho de montagem das estruturas de suporte de ferro, foi solicitado à equipe do LAPID um projeto para execução das ferragens de suporte. Para viabilizar esse projeto, decidimos digitalizar em 3D (Scanner Revopoint Range) todos os ossos desse dinossauro a partir de réplicas em resina ainda existentes, que não foram afetadas pelo incêndio. A partir desses modelos digitais dos ossos individuais, foi possível remontar virtualmente o esqueleto e decidir em qual posição iria ser montado (Figura 5). 

Fig5. Processo de digitalização das réplicas de ossos de Maxakalisaurus.

Tradicionalmente o processo de montagem de esqueletos de dinossauros demanda um método que requer tentativas e erros até chegar à estrutura final de suporte que permita a montagem dos ossos. Normalmente, diversas alterações e correções se fazem necessárias ao longo do processo. Com o modelo digital, podemos decidir antecipadamente a posição final do esqueleto inteiro. Além disso, podemos modelar virtualmente toda a estrutura de suporte, a ser feita com tubos de metalon, calculando o tamanho dos segmentos, bem como ângulos de encaixe e de solda, tudo de forma a minimizar a quantidade de ferragens que fiquem visíveis na montagem final (Figura 6). Esse trabalho ainda está em andamento e deve ser concluído em 2025. 

Fig6. Esqueleto digital de Maxakalisaurus e estruturas metálicas de suporte a serem produzidas para a montagem final.

Aproveitando a oportunidade da digitalização do esqueleto do Maxakalisaurus, planejamos também produzir uma réplica em escala reduzida de seu esqueleto, utilizando o mesmo processo de montagem que foi feito para o Staurikosaurus. O modelo já está sendo segmentado em partes para impressão. Em breve iniciaremos as modificações necessárias no modelo virtual para produzir as peças articuladas e encaixes para orientar na montagem final do esqueleto. Esse modelo poderá ser usado em exposições inclusivas, permitindo que pessoas portadoras de deficiências visuais possam enxergar como era o esqueleto do Maxakalisaurus. 

O sucesso obtido nas duas iniciativas aqui relatadas nos fazem acreditar na continuidade desse tipo de procedimento visando produzir réplicas de outros esqueletos para apoio à pesquisa e exposições, tanto de dinossauros quanto de outros vertebrados fósseis. Esse pode, portanto, se tornar o processo padrão para produção de novas montagens de esqueletos.

Relatamos aqui parte das atividades desenvolvidas pela equipe de pesquisadores do Laboratório de Processamento de Imagem Digital (LAPID) com o objetivo de proporcionar a difusão através do metaverso das atividades de ensino e pesquisa desenvolvidas com o acervo científico-cultural do Museu Nacional/UFRJ. Essas atividades estão diretamente relacionadas à vinculação do LAPID ao Projeto Space-XR: Pesquisa em Metaversos Compartilhados, que envolve, ainda, o Laboratório Biodesign vinculado à PUC-Rio, além do Visgraf, Instituto de Matemática Pura e Aplicada-IMPA/MCTI. Nesse projeto o LAPID atuou na coordenação da linha denominada Patrimônio Científico-Cultural.


Referências

BITTENCOURT, J. S. & KELLNER, A. W. A., 2009. The anatomy and phylogenetic position of the Triassic dinosaur Staurikosaurus pricei Colbert, 1970, Zootaxa 2079, pp. 1-56

COLBERT, E. H., 1970. A saurischian dinosaur from the Triassic of Brazil. American Museum Novitates, 2405, 1 – 60.

GRILLO, O.N., 2005. Reconstrução do esqueleto de Staurikosaurus pricei (Dinosauria, Theropoda): Uso de scanner laser 3D e modelagem virtual tridimensional para reconstruir vertebrados fósseis. Monografia (Bacharelado em Biologia, Modalidade Zoologia), Instituto de Biologia, Universidade Federal do Rio de Janeiro.

GRILLO, O.N., 2007. Miologia e biomecânica do membro posterior de Staurikosaurus pricei Colbert, 1970 (Dinosauria, Saurischia). Rio de Janeiro. Dissertação (Mestrado em Ciências Biológicas – Zoologia), Programa de Pós-Graduação em Zoologia, Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro.

GRILLO, O.N., 2014. Evolução morfofuncional da articulação da pelve de dinossauros Saurischia: Implicações na locomoção de Rhea americana e Staurikosaurus pricei. Rio de Janeiro. Tese (Doutorado em Ciências Biológicas – Zoologia), Programa de Pós-Graduação em Zoologia, Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro.

GRILLO, O. N.; AZEVEDO, S. A. K., 2011a. Recovering missing data: estimating position and size of caudal vertebrae in Staurikosaurus pricei Colbert, 1970. Anais da Academia Brasileira de Ciências (Impresso), v. 83, p. 61-72.

GRILLO, O. N.; AZEVEDO, S. A. K., 2011b. Pelvic and hind limb musculature of Staurikosaurus pricei (Dinosauria: Saurischia). Anais da Academia Brasileira de Ciências (Impresso), v. 83, p. 73-98.

GRILLO, O. N.; GIOIA. M. M.; BELMONTE, S. L. & AZEVEDO, S. A. K., 2011. Staurikosaurus pricei: modern studies. IV Congreso Latinoamericano de Paleontología de Vertebrados, San Juan, Argentina, 21 a 24/09/2011. Ameghiniana, 48(4): 56.

KELLNER, A.; CAMPOS, D. A.; AZEVEDO, S. A. K.; TROTTA, M. N.; HENRIQUES, D. D.; CRAIK, M. T. & SILVA, H. P., 2006. On a new titanosaur sauropod from the Bauru Group, Late Cretaceous of Brazil. Boletim do Museu Nacional, Rio de Janeiro, 74:1-31.

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